Editorial

Santa Casa de Itapeva: mais de um século de resistência em meio a adversidades financeiras e políticas

"Em um cenário de desafios, a principal instituição de saúde da região enfrenta dívidas crescentes e disputas com a gestão municipal."

Há 123 anos, a Santa Casa de Itapeva se ergueu como um farol de esperança para os habitantes da região. Uma instituição privada, filantrópica e sem fins lucrativos, ela se tornou um símbolo da luta constante para garantir a saúde da população, mesmo diante de obstáculos quase intransponíveis.

A história da Santa Casa é marcada por episódios que revelam sua determinação: o fechamento por falta de recursos em 1904, uma década de atendimentos à luz de velas e lampião, e o devastador incêndio de 1943. Mas, como uma fênix, ela ressurgiu das cinzas, mantendo-se firme em sua missão de prestar assistência médica e hospitalar.

A Constituição Brasileira assegura que a saúde é um direito de todos e um dever do Estado. E, sob essa égide, o Sistema Único de Saúde (SUS) foi criado, com financiamentos dos governos Federal, Estadual e Municipal. No entanto, a realidade enfrentada por instituições como a Santa Casa mostra um panorama muito distante do ideal.

Em Itapeva, a Prefeitura Municipal é o gestor pleno do SUS. Enquanto única instituição da região em condições de atender pelo sistema, a Santa Casa se vê sobrecarregada, atendendo a uma demanda que abrange 15 municípios em casos de urgência e emergência, e 28 municípios em tratamentos de oncologia e neurocirurgia.

A crise financeira que assola a Santa Casa não é recente. Os valores repassados pelo governo federal, por meio da Tabela SUS, estão congelados desde o ano 2000. Somam-se a isso os valores insuficientes repassados pelo governo estadual e a falta de reajuste por parte da gestão municipal desde 2017.

Um exemplo palpável dessa defasagem é evidenciado nas consultas médicas. Enquanto o custo médio de honorário médico por consulta é de R$ 125,80, a receita obtida é de apenas R$ 15,30 – uma discrepância que obriga a Santa Casa a desembolsar cerca de R$ 110,50 para cobrir os custos.

A pandemia de Covid-19 agravou ainda mais essa situação. Com custos elevados e uma demanda crescente, 2022 trouxe um cenário crítico para a instituição, que precisou recorrer a um empréstimo de R$ 40 milhões para continuar suas operações.

Em meio a essa tempestade, o prefeito de Itapeva, Mário Tassinari, pediu intervenção, alegando necessidade de prestação de contas. No entanto, essa ação foi vista por muitos como uma mera "guerra de narrativas", com a Santa Casa sendo colocada em xeque.

Em uma recente coletiva de imprensa, representada pelo Sr. Vico, a Santa Casa expôs sua realidade financeira, destacando a alegada incompetência da gestão municipal. Segundo a instituição, existe um processo ajuizado contra a prefeitura para regularizar o repasse defasado, que atinge a cifra de R$ 45 milhões em dívidas.

Para se manter em equilíbrio, a Santa Casa de Itapeva tem adotado medidas drásticas, desde a redução do quadro de funcionários até a possibilidade de venda de imóveis. Tudo isso é feito com o intuito de manter as portas abertas e não prejudicar o atendimento à população.

O cenário econômico torna-se ainda mais desafiador quando desmembramos as dívidas que a Prefeitura tem, por meio da Secretaria da Saúde de Itapeva, mantém com a Santa Casa. Os números revelam um acúmulo de valores que beiram R$ 1 milhão. Detalhando essa dívida, encontramos:

- ADMINISTRATIVO: R$ 13.986,54

- CIRURGIAS ELETIVAS/EXAMES: R$ 135.303,57

- RECURSO FEDERAL: R$ 919.489,56

 A soma desses valores atinge R$ 1.068.779,67, uma quantia expressiva e que, sem dúvida, poderia aliviar parte da pressão financeira que a instituição enfrenta atualmente.

No entanto, essa dívida não é apenas um número. Ela representa cirurgias que foram realizadas, tratamentos fornecidos e, acima de tudo, vidas que foram salvas ou melhoradas. Em tempos de pandemia, quando os recursos já são escassos e a demanda por atendimento é alta, tais pendências financeiras tornam-se ainda mais críticas.

É crucial entender que a Santa Casa de Itapeva, além de ser um pilar na saúde da região, também é um reflexo da gestão de saúde pública no país. As dificuldades enfrentadas por ela são um espelho das adversidades que muitas outras instituições de saúde enfrentam Brasil afora. A falta de repasses e os atrasos nos pagamentos não são apenas questões burocráticas, mas sim problemas que afetam diretamente a vida de milhares de pacientes.

A população de Itapeva e região merece mais. Merece uma gestão de saúde transparente, eficaz e que honre seus compromissos com as instituições que, na linha de frente, lutam para salvar vidas. As dívidas acumuladas com a Santa Casa não são apenas valores em um balanço financeiro, mas sim um débito com cada cidadão que depende desses serviços.

Diante de tal cenário, fica evidente a necessidade de uma ação conjunta entre poder público e instituições privadas. É preciso garantir que o direito à saúde, tão firmemente estabelecido em nossa Constituição, seja mais do que palavras no papel. A luta da Santa Casa de Itapeva é um lembrete de que, mesmo diante das adversidades, a resiliência e a dedicação podem fazer a diferença. E cabe a todos nós, sociedade e gestores públicos, garantir que essa diferença se traduza em saúde e qualidade de vida para todos.

Finalizo com um apelo, não apenas como jornalista, mas como cidadão preocupado com a saúde de nossa nação: é hora de colocarmos a saúde acima de interesses pessoais e políticos. A Santa Casa de Itapeva é mais do que um hospital; é um patrimônio da população, uma entidade que já provou, ao longo de mais de um século, sua importância e resiliência. É nosso dever, como sociedade, garantir que continue sendo assim.

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